O professor apenas passava ensinamentos de alguns programas de PC que ninguém iria usar e provavelmente não usaram até hoje. Internet ainda estava engatinhando e o Google não era popular.Quase não se falava do site de buscas.
Enfim, em uma dessas classes de informáticas espalhadas pelo Brasil daquele período, Claudalberto resolveu fazer uma revolução na avaliação dos alunos. Era um professor querendo sair da zona de conforto na hora de dar nota aos seus pupilos.
A ideia foi dividir a sala em grupos e que cada equipe fizesse um resumo de um texto que fosse passado. O problema é que os textos eram grandes. Quase um livro. Não era apenas resumir no computador e apresentar. Era entender o que estava escrito (em uma linguagem difícil), resumir e explicar para a sala de aula (nada interessada) o conteúdo.
O trio formado por Guido, Guerino e Getúlio ficou com o texto que tinha o assunto mais complexo. Começando pelo título: 'As cláusulas abusivas'.
Já no recreio há a indagação:
-Alguém sabe o que significa esse título?
-Guerino, estou tentando ler até agora e não entendi.
-Nem eu, Getúlio.
Guido nem se manifestou. Era um sinal que também não tinha ideia do que se tratava.
Eram páginas e páginas de algo complexo que eles não entendiam.Linguajar culto e sem nenhuma figura ou ilustração que ajudasse a esclarecer a cabeça dos três adolescentes.
- Será que o Claudalberto vai ferrar com a gente nesse texto?
-Espero que não, Getúlio. Só o que falta ficarmos de recuperação de informática.
-Vamos nos dividir e cada um faz um resumo em casa. O Guerino faz da página 1 até a 15, o Getúlio da 16 a 30 e eu da 31 até a 50.
-Eu pego o início e explico o título é isso? Já atrofiou meu cérebro ao ler `cláusulas abusivas`,quanto mais entender o conteúdo disso tudo.
-Guerino, não temos outra saída. Nem eu entendo o que está escrito. Mas temos uma semana para resumir, salvar no disquete, imprimir e apresentar.
-Só Jesus na causa.Não é,Guido?
-Eu também acho, Guerino. Mas temos que cumprir a tarefa.
Passou uma semana e os três pobres estudantes esperavam seus pais usarem os computadores (naquela época PC era caro e na média era 1 por família) para depois fazerem o tema. Passavam madrugadas sendo torturados pelas cláusulas abusivas. Os cérebros incharam e quase estouraram de raiva.
Na véspera da apresentação, Guido questiona os seus colegas se estavam em dia as tarefas e eles responderam que sim. Meias-verdades, pois só enrolaram. Ainda faltava terminar e entender o que escreveram para poder apresentar.
O velho ditado já afirma que em três situações da vida o ser humano não escapa: a morte, os impostos e o dia de entrega/apresentação de trabalho.
Guido, Guerino e Getúlio não foram exceção a regra. O deadline havia chego.
Era bem de manhãzinha. Primeira aula do período matutino. Claudalberto organizou a sala de informática para receber os alunos. Muitos com sono e preocupados com a árdua apresentação.
Claudalberto estava ansioso para ver o resultado dos trabalhos e poder fazer uma avaliação de fato.
Para ser justo com todos, houve um sorteio para decidir qual grupo apresentaria primeiro. Cada equipe elegeu um líder que escreveu o nome em um pedaço de papel e colocou em um saquinho plástico.
Empolgado com o evento, o próprio Claudalberto fez o sorteio e o nome lido foi: Guerino!!
Lá foi o trio apresentar o trabalho. A insegurança pairava no semblante dos três adolescentes.
Getúlio cochicha no ouvido de Guerino.
- Vai, cara! Inicia logo isso.
-Calma que eu já vou. Não é tão simples assim.
Passado alguns instantes de silêncio, o professor pede para que haja início.
Guerino viu apenas aquela turma olhando para ele e esperando para o que viesse em seguida.
Gaguejando e inseguro, Guerino começou lendo (óbvio que não tinha decorado).
-Bem....o texto é sobre as cláusulas abusivas.
-O que?? Como??O que é isso?
A pergunta foi feita por várias pessoas, ao mesmo tempo e várias vezes. Ninguém tinha escutado um título tão indecifrável como esse. Era uma mistura de riso com dúvida.
Guerino lia o resumo. Que não era tão resumido assim. A insegurança no conteúdo não deixava que o pobre menino cortasse pedaços do texto.
Entretanto a leitura era rápida e inaudível. Pouco se entendia. Os alunos e o professor pediam para que o apresentador voltasse e relesse com calma.
O nervosismo tomou conta de Guerino que teve um ataque de riso. Ria feito um louco. Alto e incontrolável.
Guido e Getúlio não entendiam. Os outros alunos menos ainda. O professor estava incrédulo com aquela sua primeira experiência com avaliação.
Guerino respirou fundo, contou até 5 e reiniciou a leitura. Conseguiu ler com calma o primeiro parágrafo, o segundo, mas no terceiro....a risada voltou. Era incontrolável. Não conseguia disfarçar.
Getúlio e Guido pediam apenas para seu companheiro se conter. Não podiam substitui-lo na apresentação, porque também não sabiam o conteúdo.
Claudalberto pediu calma, falou para novamente respirar fundo e recomeçar. No entanto, o professor estava preocupado. Pois o tempo passava e ainda não tinha passado do terceiro parágrafo da primeira apresentação!
Guerino se recompôs e novamente teve inicio a leitura. Leu o primeiro parágrafo...o segundo....o terceiro foi mais ou menos. No quarto veio o ataque de riso.
- HA HA HA HA HA (muito alto).
A sala toda já ria junto. Foi contagiante. Ninguém sabia o motivo. Mas todos riam. Claudalberto apenas pedia para que todos parassem, pois lembrou novamente que o final da aula estava chegando.
Após uma diminuição no humor. Getúlio tomou o texto de Guerino e iniciou a leitura.
Novamente foi o primeiro parágrafo. O segundo. O terceiro. De repente, Getúlio começa a rir sabe-se lá porque. Ele se segura e não deixa que isso contamine a sala. Finalmente vai para o quarto paragrafo.
No quinto não houve escapatória. Enquanto lia, o riso voltou. Voltou com tudo.
- HA HA HA HA HA HA.
Guerino riu mais alto ainda e em seguida Guido riu também. A sala acompanhou.
Guerino era o mais espalhafatoso. Deitava e rolava de tanto rir.
Claudalberto incrédulo não acreditava no que via. Sabia que o texto não era cômico. Era de difícil interpretação.
Agora era a vez de Guido apresentar.
O professor pede para que siga a partir do quinto parágrafo, pois já havia perdido muito tempo.
O aluno obedece. O problema é que o resumo não era tão pequeno assim. Tinha muita lenha para queimar.
Guido inicia a leitura. Quinto parágrafo. Sexto. Lá pelo sétimo se escuta uma risada ao fundo. Era Getúlio se segurando para não extrapolar. O problema é que Guerino escutou e começou a rir. Não se aguentou. Os dois voltaram a rir.
Guido se desconcentrou e caiu na risada. Os outro alunos apenas acompanharam. Todo mundo ria.
Desta vez até Claudalberto estava em um canto rindo. Foi contaminado também. Não aguentava mais.Ele já havia desistido da apresentação.
Mais alguns minutos de histeria e o sinal da escola toca. Acabou a aula. O professor apenas pede que entreguem o trabalho.
No intervalo, todos seguiram rindo. Perguntaram aos meninos o que houve de engraçado e nem eles sabiam o que aconteceu. Nervosismo? Talvez.
A única certeza é que todos ficaram aliviados por não precisarem apresentar os trabalhos e agradeceram para sempre o trio que comandou o ataque de risadas.
Por fim, Claudalberto desistiu de sair da zona de conforto e seguiu na mesma rotina. Deu 10 para todo mundo. Desistiu de causar confusão com os alunos. Com todos aprovados, foi mais cedo para as férias.
Compensou.
Obs 1: Caso não saiba o que significa `clausulas abusivas`procure no Google. A resposta vem fácil.
Obs 2: Texto inspirado em fatos reais.